Maria

Maria veio ver-me, como faz sempre que vem à sua terra natal. Com ela vem sempre dois dedos de conversa com alguém cujos horizontes não acabam nos limites da fronteira.
Queda-se de espanto. O mesmo de sempre, como se fora a primeira vez. A decepção vem a seguir.
Maria educou os filhos sózinha na Alemanha.A pulso de ferro, com disciplina.Diz até que a certa altura sentiu medo de os perder. Saía de casa de madrugada e deixava o despertador, as peças de roupa para ambos vestirem, ordenadas, o pequeno almoço feito e acomodado no termo, quentinho...
Nunca os filhos faltaram a uma aula, nunca trouxeram uma carta de professores fazendo queixas. Ambos concluíram com sucesso os seus cursos universitários
Hoje Maria não entende o seu país. Custa-lhe sobretudo a imoralidade, a falta de valores, a hipócrisia, a mentalidade mesquinha e invejosa.
Maria não fica muito tempo. Vem visitar os pais e regressa a Colónia onde os filhos, ambos pessoas profissionalmente conceituadas na região, vivem. Maria não esconde a mágoa que leva na bagagem sempre que parte. E entende cada vez mais a inibição que sentem os filhos de dizer que são portugueses.
Maria recusa-se a aceitar que no seu país um emprego se consiga não por mérito próprio, mas sim porque se tem um belo par de pernas, ou se é sobrinho do tio da irmã ... Que os pais não ensinem aos filhos, que a base de toda a sociedade é a familia e que esta é o pilar que deve suportar tudo o resto.Que a educação começa em casa e que os mais velhos devem ser respeitados, sejam eles, vizinhos, professores, educadores, avós , conhecidos ou desconhecidos. Que a educação tem que obrigatoriamente valorizar os afectos. E que a ambição só é válida quando não atropeladar a liberdade e o respeito pelo próximo.
Maria sente-se magoada porque a sociedade onde viveu alguns anos, despreza e vota à indiferença, todos aqueles que conseguem à custa do seu suor, viver honestamente. A mesma sociedade que quase enaltece a heróis nacionais os desviadores de dinheiros públicos, vulgarmente designados de ladrões, mas que agora tem nomes pomposos como administradores, gestores e por aí ...
Maria não entende porque é que os campos estão ao abandono e ninguém ensina aos filhos que é ali que estão as nossas raízes. Tal como não entende os pais que se endividam para dar carros de luxo ou brinquedos caríssimos aos filhos. Como se fosse esse o objectivo maior a alcançar pelo ser humano. A vaidade , a luxúria, a ostentação.
Maria fala com orgulho na sua avó, que ficou viúva tinha o mais novo dos seus filhos seis meses. Criou sózinha seis filhos sem nunca vender o corpo, diz com orgulho Maria. E hoje mulheres e homens vendem o corpo e a alma, para conseguir o melhor lugar dentro duma empresa. É esta imoralidade que transmitem aos seus próprios filhos: não olhar a meios para atingir os fins.
Fico sempre a pensar nas suas palavras quando me visita.E penso que este mundo seria efectivamente bem melhor se existissem mais
Marias

Comments

antónio paiva said…
...

crónica de vida.

um universo de que todos fazemos parte, sem dúvida.

ainda assim, lamentamos mais do que agimos, porque é mais fácil, sem dúvida.

(cada um aparece quando quer e pode, caso contrário isto tornava-se uma obrigação e, ficaria por certo reduzido a uma tremenda maçada)

:)

beijinho e tudo do melhor.
Tite said…
E também se a justiça se fizesse com ética.
Hoje tenho muita revolta de ver que os advogados e juízes se deixam comprar pelo vil metal deixando para trás tudo o que aprenderam.
Por isso as prisões estão cheias de pobres diabos e as empresas de grandes "administradores, gestores e outros ...ores (ai que dores!!!) que bem se podem chamar ...ladrões autorizados.
Hoje estou amarga e o teu post ainda agravou.
Abraços de solidariedade com a Maria

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